«Temos de derrubar silos na integração dos cuidados de saúde. Estes projetos são um exemplo»

Setembro 19, 2023 Por miguel.bruno.moreira@gmail.com

É já esta sexta-feira que tem início o 3.º Encontro Nacional de Integração de Cuidados, promovido pela Portuguese Association for Integrated Care (PAFIC). Adelaide Belo, que preside a esta entidade, adianta à Just News que no sábado serão apresentados cinco projetos “que são um exemplo”.

Comentando o atual modelo de prestação de cuidados, a médica não tem dúvidas: “Continua a valorizar o episódio, promovendo a fragmentação e a existência de barreiras entre as várias tipologias de cuidados, no percurso das pessoas pelos serviços de saude e sociais”.

E, por esse motivo, acrescenta que a sessão onde será partilhado um conjunto de bons exemplos intitula-se precisamente “Derrubar silos, reduzir a fragmentação”.

Na sua opinião, o que estes projetos fizeram foi “encontrar soluções para ultrapassar essas barreiras, promovendo a coordenação e a continuidade dos cuidados, o que é critico para as pessoas navegarem no sistema, principalmente as que tem doenças cronicas e multimorbilidade”.

Serão cinco os projetos apresentados, mas Adelaide Belo faz questão de destacar que, “felizmente” há muitos outros projetos em curso com o mesmo objetivo. Assim, na PAFIC selecionámos estes, como representativos de tantos outros”.


Adelaide Belo

ULS

Uma das intervenções será sobre a pessoa com insuficiência cardíaca e a importância do Percurso Assistencial Integrado, um projeto da Unidade Local de Saúde (ULS) do Litoral Alentejano, que foi implementado há pouco mais de três meses.

“Tem sido uma aprendizagem de todos, profissionais e pessoas com doença/cuidadores, num processo em que a automação com uma assistente virtual – Hilly, contacta  as pessoas com intervalos pré-determinados”, explica Adelaide Belo, que é assistente graduada sénior de Medicina Interna nesta ULS, assim como coordenadora do Projeto de Gestão de Caso.

O objetivo destes contactos periódicos é muito claro: “O objetivo é que o ´doente esteja sempre no radar` e sejam detetados precocemente sinais de descompensação. Embora tenha decorrido pouco tempo serão apresentados resultados.”

INTEGRAR +

O Hospital de Braga/ACES Cávado I e o CHUC/ACES Baixo Mondego são outros dois projetos que serão apresentados nas Jornadas. Apesar de ambos terem feito parte do programa INTEGRAR + promovido pela PAFIC, “têm alvos completamente diferentes”, conforme explica Adelaide Belo:

“O primeiro tem como objetivo otimizar a comunicação, melhorando os fluxos de informação na área dos Cuidados Paliativos, entre o Hospital de Braga e o ACES Cávado I. O segundo atua nos utilizadores frequentes do serviço de urgência, através da coordenação entre o CHUC e o ACES Baixo Mondego, para encontrar alternativas para essas pessoas que não passem pelo serviço de urgência.”

Açores

Também os Açores estarão representados nesta mesa redonda que será moderada por Rosa Valente de Matos, presidente do Conselho de Administração do CHULC – Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central.

“Intitulado ´Estratificação da População pelo Risco`, este é um projeto macro, estruturante e integrado no Plano de Saude Regional”, indica Adelaide Belo. E acrescenta:

“Temos defendido que esta avaliação é fundamental para organizar recursos e adaptar programas às necessidades das pessoas. Esperamos que brevemente também exista no continente.”

IPSS

E porque a PAFIC está empenhada em mostrar que há “excelentes projetos em todo o lado”, também serão partilhadas as boas práticas em contexto de IPSS, através do trabalho realizado no Hospital de Avelar – Fundação Nossa Senhora da Guia, onde a integração de cuidados tem uma forte componente de telemonitorização junto dos doentes crónicos, permitindo, nomeadamente, reduzir deslocações às urgências.

Adelaide Belo recorda que “o envelhecimento da população, o predomínio de doenças crónicas e o déficit de profissionais de saúde veio reforçar o papel da componente tecnológica, permitindo equidade no acesso e manter os ´doentes no radar`. Como resultado, é possível prevenir ou atuar rapidamente nas descompensações, sem que as pessoas se tenham de deslocar fisicamente aos serviços”.

Considerando que “a eHealth já tem e continuará a ter um impacto muito positivo nas respostas às necessidades das pessoas”, a presidente da PAFIC salienta que este é também um exemplo de que “outras instituições para além das públicas – neste caso o setor social e autarquias, podem e devem ter um papel ativo na coordenação e continuidade dos cuidados”.

Integração em “qualquer instituição – pública, privada, setor social”

Dos cinco projetos destaca-se precisamente a diversidade na partilha de experiências. Não é por acaso. A mensagem a passar é clara: “A integração de cuidados pode ser implementada em qualquer instituição – publica, privada, setor social.”

Adelaide Belo lembra que “uma das grandes referências da literatura internacional relativamente à Integração de Cuidados é a Kaiser Permament, uma das maiores seguradoras dos EUA, que criou a ´Pirâmide de Kaiser`, que estratifica o risco dos seus segurados, de modo que possa adaptar programas de cuidados ajustados às suas necessidades.”

E acrescenta: “A dimensão da integração de cuidados que mais impacto tem nas pessoas é a dimensão Clínica, reforçada pela partilha de Informação. Todos os projetos que reforcem estas dimensões, têm capacidade para reforçar a coordenação e a continuidade dos cuidados.”

E quanto especificamente à organização em ULS, um tema que está em cima da mesa atualmente? “Pode de facto facilitar a coordenação e a continuidade dos cuidados”, afirma.

“Não temos de estar sempre a ´inventar a roda` e a fazer ´pilotos´”

Em jeito de conclusão, Adelaide Belo afirma: “Há projetos que já provaram acrescentar valor aos resultados em saúde. Então vamos olhar para eles e ver se fazem sentido na minha instituição. Não temos de estar sempre a ´inventar a roda` e a fazer projetos piloto.”

É nesse sentido que a PAFIC tem desenvolvido a sua atividade nos últimos anos, procurando apoiar profissionais que estão a trabalhar em projetos de integração de cuidados e divulgando o seu trabalho. E Adelaide Belo faz um balanço extremamente positivo: “Tem sido muito motivador trabalhar com essas equipas – de norte a sul do país e ilhas – e vê-las crescer e avançar com muito empenho e vontade de mudança.”

Relativamente aos destinatários do evento, que se realiza esta sexta e sábado, Adelaide Belo afirma que “as jornadas estão abertas a profissionais de saúde, da área social, dos municípios, das farmácias, a investigadores e académicos, assim como a todas as pessoas que queiram reforçar conhecimentos sobre o tema”.